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12 abril 2010

Os monstros - um retrato da hipocrisia da sociedade


"Ao pensar no cash-flow"
António Aragão
Técnica mista 50cmx65cm 1992




Deslumbramento com António Aragão...


Por serem trabalhos com alma fortíssima a série “monstros” é a pedra luxuosa da exposição. O deslumbramento resulta dos tons e luz forte, da informação transmitida pelos fragmentos de jornais colados e da forma das figuras semi-humanas que não assustam; têm até aspecto pitoresco (será porque os monstros estejam do lado de cá da obra?).

A interpretação talvez seja abusiva, mas pretende introduzir a componente provocatória do trabalho de António Aragão. De facto, a par do seu lado institucional (foi Director do Arquivo Regional da Madeira, experiência sobre a qual não tinha particular prazer em falar), do espírito científico e pragmático, António Aragão foi um assumido provocador de esquerda.

As duas facetas estão de resto presentes nos trabalhos expostos na Galeria dos Prazeres. A etnográfica, nas aguarelas realizadas na década de 1960 expostas na sala mais pequena, as quais retratam motivos da tradição madeirense, quadros sociais relacionados com a vinicultura, com a pesca e com o fenómeno religioso. E o confronto, como perspectiva de crítica à hipocrisia das sociedades humanas, oferecido pela série “monstros”, concebida na década de 1990 [na sala maior].

Esta exposição proporciona ainda a possibilidade de se assistir ao documentário assinado por Luís Tranquada, encomenda da Galeria para esta ocasião. Num registo despojado, o autor captou os testemunhos de Jorge Marques da Silva, António Rodrigues, Rigo e António Dantas sobre diferentes dimensões do intelectual e artista com o qual partilharam algumas experiências: as de historiador, escritor, dinamizador do Cine Clube e a de um homem polémico e voltado para o futuro. Depoimentos que relevam a pessoa desassossegada, multifacetada, criativa e com gosto particular pelo novo tanto que, como refere Jorge Marques da Silva a propósito da literatura, António Aragão aniquilava as estruturas para substitui-las por outras e criar novas formas, nova linguagem, novas palavras, como acontece no muitíssimo bom “Um buraco na boca”, editado em 1971 [romance].

Face à importância do percurso multifacetado de António Aragão, mas principalmente porque é possível ver a impressionante série “monstros” esta é uma exposição imperdível, até porque não será de espantar que haja cada vez menos oportunidades de ver os trabalhos desta série expostos em conjunto.


César Rodrigues, Director da Paralelo 33 - magazine de ideias, cultura e lazer.